Jornais, poemas e óperas
Tudo indica que Machado evitou o subúrbio carioca e
procurou a subsistência no centro da cidade. Com muitos planos e espírito
aventureiro, fez algumas amizades e relacionamentos. Em 1854, publicou seu
primeiro soneto, dedicado à "Ilustríssima Senhora D.P.J.A", assinando
como "J. M. M. Assis", no Periódico dos Pobres. No ano
seguinte, passou a frequentar a livraria do jornalista e tipógrafo Francisco de Paula Brito. Paula Brito era
um humanista e sua livraria, além de vender remédios, chás, fumo de rolo,
porcas e parafusos, também servia como ponto de encontro da sua Sociedade
Petalógica (peta=(ê), s. f. 1. Mentira, patranha). Um tempo
mais tarde, Machado se referiria à Sociedade da seguinte forma: "Lá se
discutia de tudo, desde a retirada de um ministro até a pirueta da dançarina da
moda, desde o dó do peito de Tamberlick até
os discursos do Marquês do Paraná".
No dia 12 de janeiro de 1855, Brito publicou os poemas
"Ela" e "A Palmeira" na Marmota Fluminense, revista bimensal do
livreiro. Estes dois versos, reunidos junto àquele soneto para a Dona
Patronilha, fazem parte da primeira produção literária de Machado de Assis. Aos
dezessete anos, foi contratado como aprendiz de tipógrafo e revisor de imprensa
na Imprensa Nacional, onde foi protegido e ajudado
por Manuel Antônio de Almeida (que anos
antes havia publicado sua magnum opus Memórias de um Sargento de Milícias),
que o incentivou a seguir a carreira literária. Machado trabalhou na
Imprensa Oficial de 1856 a 1858. No fim deste período, a convite do poeta Francisco Otaviano, passou a colaborar para o Correio
Mercantil, importante jornal da época, escrevendo crônicas e
revisando textos. Durante esta época o jovem já frequentava teatros e
outros meios artísticos. Em novembro de 1859, estreava Pipelet,
ópera com libreto de sua autoria baseada em The Mysteries of Paris de Eugène Sue e
com música de Ferrari. Escreveu ele sobre a
apresentação:
"Abre-se segunda-feira, a Ópera Nacional com
o Pipelet, ópera em actos, música de Ferrari, e poesia do Sr.
Machado de Assis, meu íntimo amigo, meu alter ego, a quem tenho muito affecto,
mas sobre quem não posso dar opinião nenhuma."
Pipelet não
agrada consideravalmente o público e os folhetinistas ignoram-na. Gioacchino Giannini, que dirigiu a orquestra da
ópera, sentiu-se contrariado com a orquestra e escreveu num artigo: "Não
falaremos do desempenho de Pipelet. Isso seria enfadonho, horrível e
espantoso para quem o viu tão regularmente no Teatro de São Pedro." O
final da ópera era melancólico, com o enterro agonizante do personagem Pipelet.
Machado de Assis, em 1859, escreveu que "o desempenho da mesma maneira que
o primeiro, fez nutrir esperança de uma boa companhia de canto." De
fato, o jovem nutria interesse na campanha de construção da Ópera Nacional. No
ano seguinte a de Pipelet, produziu um libreto chamado As
Bodas de Joaninha, entretanto sua repercussão foi nula. Anos mais
tarde, registraria a nostalgia do folhetinismo de sua juventude.
Crisálidas, teatros e política
Aos 21 anos de idade Machado já era uma personalidade
considerada entre as rodas intelectuais cariocas. A esta altura já era
conhecido por Quintino Bocaiúva, que o convidou para o Diário do Rio de Janeiro, onde Machado
trabalhou intensamente como repórter e jornalista de 1860 a 1867, com Saldanha Marinho supervisionando-o. Colaborou
para o Jornal das Famílias sob pseudônimos:
Job, Vitor de Paula, Lara, Max, e para a Semana
Ilustrada, assinando seu nome ou pseudos, até
1857. Bocaiúva admirava o gosto de Machado pelo teatro, mas considerava
suas obras destinadas à leitura e não à encenação. Com a morte do pai,
Machado lhe dedica a coletânea de poesias “Crisálidas”: “À Memória de Francisco
José de Assis e Maria Leopoldina Machado de Assis, meus Pais.”
Em 1865, Machado havia fundado uma sociedade
artístico-literária chamada Arcádia Fluminense, onde tivera a oportunidade de
promover saraus com leitura de suas poesias e estreitar contato com poetas e
intelectuais da região. Com José Zapata y Amat, produziu o hino
"Cantada da Arcádia" especialmente para a sociedade. Em 1866,
escreveu no Diário do Rio de Janeiro: "A fundação da Arcádia
Fluminense foi excelente num sentido: não cremos que ela se propusesse a
dirigir o gosto, mas o seu fim decerto que foi estabelecer a convivência
literária, como trabalho preliminar para obra de maior extensão." Neste
ano, Machado escrevia crítica teatral e, segundo Almir Guilhermino, aprendeu a
língua grega para se familiarizar cedo com Platão, Sócrates e
o teatro grego. De
acordo com Valdemar de Oliveira, Machado era
"rato de coxia" e frequentador de rodas teatrais junto com José de
Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, e outros.
No ano seguinte, 1867, subiu a escala funcional como
burocrata, e no mesmo ano foi nomeado diretor-assistente do Diário
Oficial pelo D. Pedro II. Com a ascensão do Partido Liberal pelo
país, Machado acreditava que seria lembrado por seus amigos e que receberia um
cargo público que melhoraria sua qualidade de vida, contudo foi em vão. À época
de seu serviço no Diário do Rio de Janeiro, teve seus ideais
combativos com ideias progressivas; por conta disso seu nome foi
anunciado como candidato a deputado pelo Partido Liberal do Império —
candidatura que logo retirou por querer comprometer sua vida somente às letras.
Para sua surpresa, a ajuda veio novamente de um ato de Pedro II, com a nomeação
para o cargo de assistente do diretor, e que, mais tarde, em 1888, lhe
condecoraria como oficial da Ordem Da Rosa.
A esta altura já era amigo de José de
Alencar, que lhe ensinou um pouco de língua inglesa. Ambos os
autores, no mesmo ano, recepcionaram o ambicioso e famoso poeta Castro Alves,
vindo da Bahia, na imprensa da Corte do Rio de Janeiro. Machado diria
sobre o poeta baiano: "Achei uma vocação literária cheia de vida e
robustez, deixando antever nas magnificências do presente as promessas do
futuro." Os direitos autorais por suas publicações e crônicas em
jornais e revistas, acrescido da promoção que recebera da Princesa
Isabel em 7 de dezembro de 1876 como chefe de seção, rendeu-lhe
5.400$000 anuais. O menino nascido no morro havia subido de vida. Graças à
sua nova posição, mudou do centro da cidade para o Bairro do Catete, na Rua do
Catete nº 206, onde morou durante 6 anos, dos 37 até seus 43.
Noivado, cartas e relacionamento
No mesmo ano ao da reunião com o poeta, Machado teria um
outro encontro que mudou de vez a sua vida. Um de seus amigos, Faustino Xavier de Novaes (1820-1869),
poeta residente em Petrópolis, e jornalista da revista O Futuro, estava
mantendo sua irmã, a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais,
desde 1866 em sua casa, quando ela chegou ao Rio de Janeiro do Porto. Segundo
os biógrafos, veio a fim de cuidar de seu irmão que estava enfermo, enquanto
outros dizem que foi para esquecer uma frustração amorosa. Carolina despertara
a atenção de muitos cariocas; muitos homens que a conheciam achavam-na
atraente, e extremamente simpática. Com o poeta, jornalista e dramaturgo
Machado de Assis não fora diferente. Tão logo conhecera a irmã do amigo, logo
apaixonou-se. Até essa data o único livro publicado de Machado era o poético Crisálidas (1864) e também havia
escrito a peça Hoje Avental, Amanhã Luva (1860),
ambos sem muita repercussão. Carolina era cinco anos mais velha que ele;
deveria ter uns trinta e dois anos na época do noivado. Os irmãos de
Carolina, Miguel e Adelaíde (Faustino já havia morrido devido a uma doença que
o levou à insanidade), não concordaram que ela se envolvesse com um mulato. Contudo,
Machado de Assis e Carolina Augusta se casaram no dia 12 de Novembro de 1869.
Diz-se que Machado não era um homem bonito, mas era culto
e elegante. Estava apaixonado por sua "Carola", apelido dado
pelo marido. Entusiasmava a esposa com cartas românticas e que previam o
destino dos dois; durante o noivado, em 2 de março de 1869, Machado havia
escrito uma carta íntima que dizia: "...depois, querida, ganharemos o
mundo, porque só é verdadeiramente senhor do mundo quem está acima das suas
glórias fofas e das suas ambições estéreis." Suas cartas endereçadas
a Carolina são todas assinadas como "Machadinho". Outra carta
justifica uma certa complexidade no começo de seu relacionamento:
"Sofreste tanto que até perdeste a consciência do teu império; estás
pronta a obedecer; admiras-te de seres obedecida", o que é um mistério
para os recentes estudiosos das correspondências do autor. A carta do
primeiro trecho aqui transposto traz uma alusão às flores que a esposa lhe
teria mandado e ele, agradecido, teria as beijado duas vezes como se beijasse a
própria Carolina.
Noutro parágrafo, diz: "Tu pertences ao pequeno
número de mulheres que ainda sabem amar, sentir e pensar." De fato,
Carolina era extremamente culta. Apresentou a Machado os grandes clássicos portugueses e diversos
autores da língua inglesa. A sobrinha-bisneta de Carolina, Ruth Leitão de
Carvalho Lima, sua única herdeira, revelou numa entrevista de 2008 que,
frequentemente, a esposa retificava os textos do marido durante sua ausência. Conta-se
que muito provavelmente tenha influenciado no modo de Machado escrever e,
consecutivamente, tenha contribuído para a transição de sua narrativa
convencional à realista (ver Trilogia
Realista). Não tiveram filhos. Tinham, no entanto, uma
cadela tenerife (também conhecidos como Bichon Frisé)
chamada Graziela e que certa vez se perdeu entre as ruas do bairro e, atônitos,
foram achá-la dias depois na rua Bento Lisboa, no Catete.
Casamento, histórias e lendas
Depois do Catete, foram morar na casa nº 18 da Rua Cosme
Velho (a residência mais famosa do casal), onde ficariam até a morte. Do nome
da rua surgira o apelido Bruxo do Cosme Velho, dado por conta de um
episódio onde Machado queimava suas cartas em um caldeirão, no sobrado da casa,
quando a vizinhança certa vez o viu e gritou: "Olha o Bruxo do Cosme
Velho!" Essa história acrescida à da cachorra, para alguns biógrafos,
não passa de lenda. Machado de Assis e Carolina Augusta teriam vivido uma
"vida conjugal perfeita" por longos 35 anos. Quando os amigos
certa vez desconfiaram de uma traição por parte de Machado, seguiram-no e
acabaram por descobrir que ele ia todas as tardes avistar a moça do quadro
de A Dama do Livro (1882), de Roberto
Fontana. Ao saberem que Machado não podia comprá-lo, deram-lhe
de presente, o que o deixou particularmente feliz e grato.
No entanto, talvez a "única nuvem negra a toldar a
sua paz doméstica" tenha sido um possível caso extraconjugal que tivera
durante a circulação de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Em
18 de novembro de 1902, reverte a atividade na Secretaria da Indústria do
Ministério da Viação, Indústria e Obras Públicas, como diretor-geral de
Contabilidade, por decisão do ministro da Viação, Lauro Severiano Müller. Em 20 de
outubro de 1904, Carolina morre aos 70 anos de idade. Foi um baque na vida
de Machado, que passou uma temporada em Nova Friburgo. Segundo
o biógrafo Daniel Piza, Carolina comentava com amigas que
Machado deveria morrer antes para não sofrer caso ela partisse cedo. Seu
casamento com Carolina fez com que ela estimulasse seu lado intelectual
deficiente pelos poucos estudos a que tinha realizado na juventude e trouxe-lhe
a serenidade emocional que ele tanto precisava por ter saúde frágil. As
três heroínas de Memorial de
Ayres chamam-se Carmo, Rita e Fidélia, o que estudiosos
crêem representar três aspectos da Carolina, a "mãe",
"irmã" e "esposa". Machado também lhe dedicou seu
último soneto, "A Carolina", em que Manuel
Bandeira afirmaria, anos mais tarde, que é uma das peças mais
comoventes da literatura brasileira. De acordo com
alguns biógrafos o túmulo de Carolina era visitado todos os domingos por
Machado.
Academia Brasileira de Letras
Inspirados na Academia Francesa, Medeiros e Albuquerque, Lúcio de Mendonça, e o grupo de intelectuais da Revista
Brasileira idearam e fundaram, em 1897, junto ao entusiasmado e
apoiador Machado de Assis, a Academia Brasileira de Letras, com o
objetivo de cultuar a cultura brasileira e, principalmente, a literatura nacional. Unanimente,
Machado de Assis foi eleito primeiro presidente da Academia logo que ela havia
sido instalada, no dia 28 de janeiro do mesmo ano. Como escreve Gustavo
Bernardo, "Quando se fala Machado fundou a Academia, no fundo
o que se quer dizer é que Machado pensava na Academia. Os escritores a fundaram
e precisaram de um presidente em torno do qual não houvesse discussão." No
discurso inaugural, Machado aconselhou aos presentes: "Passai aos vossos
sucessores o pensamento e a vontade iniciais, para que eles os transmitam
também aos seus, e a vossa obra seja contada entre as sólidas e brilhantes
páginas da nossa vida brasileira."
A Academia surgiu mais como um vínculo de ordem cordial
entre amigos do que de ordem intelectual. No entanto, a ideia do instituto não
foi bem aceita por alguns: Antônio Sales testemunhou
numa página de reminiscência: "Lembro-me bem que José Veríssimo, pelo menos, não lhe fez bom
acolhimento. Machado, creio, fez a princípio algumas objeções." Como
presidente, Machado fazia sugestões, concordava com ideias, insinuava, mas nada
impunha nem impedia aos companheiros. Era um acadêmico assíduo. Das 96
sessões que a Academia realizou durante a sua presidência, faltou somente a
duas. Em 1901, criou a "Panelinha" para a realização de festivos ágapes e
encontros de escritores e artistas, como a da fotografia acima. De fato, a
expressão panelinha foi inventada destes encontros, onde os
convidados eram servidos em uma panela de prata, motivo pelo qual o grupo
passou a ser conhecido como Panelinha de Prata. Machado devotou-se ao cargo de
presidente da Academia durante 10 anos, até a sua morte. Como homenagem
informal, ela passou a chamar-se "Casa de Machado de Assis". Hoje em
dia a Academia abriga coleções de Olavo Bilac e
Manuel
Bandeira, e uma sala chamada de Espaço Machado de Assis, em
homenagem ao autor, que se dedica a estudar sua vida e obra e que guarda
objetos pessoais seus; além disso, a Academia possui uma rara edição de 1572 de Os Lusíadas.
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